quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Que fantasia usar?

Sim, o carnaval chegou em Vitória. Aqui ele chega mais cedo que é por falta de público semana que vem. Nossas escolas não se comparam nem ao grupo de acesso das escolas do Rio, porém é fato que a cada ano os desfiles ficam mais badalados. As patricinhas e os playboyzinhos da cidade bombam o corpo disputando lugares de destaque. Mas é sabido que nessa terra de coronéis os destaques são os seus protegidos.

Ela, coitada, é uma sonhadora. Desejava desfilar numa dessas escolas. Naquela escola em que seu amado, é certo, vai de cigano. Mas não tem dinheiro para a fantasia. É porque por aqui há dois tipos de escola: as muito pobres, que não têm integrantes que não sejam das suas comunidades de origem (estas, aliás, as defendem com o sangue), sendo motivo de deboche de quem está de fora, e as que estão ficando ricas, nas quais os carros alegóricos já encantam, em que a comunidade desfila mas os coronéis e seus protegidos são destaque. Para desfilar ao lado dos ricos e, porque ele organizou a ala, ao lado do amado, há de se pagar caro. Ela não tem grana e já havia parado de sonhar, ao menos, que seria cigana ao lado dele.

Foi quando um amigo em comum lhe anunciou: a namorada do seu amado é protegida de coronel. Vai ser destaque na escola, tal como o é em tantos outros lugares. Sua fantasia de cigana está sobrando. E seu amigo lhe ofereceu tal fantasia.

Por alguns segundo o mundo parou de girar para ela. Ela usaria a fantasia da namorada de seu amado e desfilaria ao lado dele, enquanto a namorada estaria em outra ala. Seu coração agitou-se quando pensou que usar a fantasia da namorada seria tomar-lhe aquele lugar, e ficar com ele na mesma ala seria fazer parte de um mundo no qual só existiriam os dois... a namorada está fora, por escolha prória, deixando-os livres para se amarem. Ficou tão feliz e tão irracionalmente ingênua que aceitou a fantasia de cigana.

Contudo, a medida que o amigo foi explicando que a preparação para o desfile seria na casa da tal namorada, o mundo foi voltando, devagarzinho,  a girar. E ela foi se dando conta do que havia feito. Lembrou do corpo perfeito da namorada, tantas vezes exposto em campanhas publicitárias, e pensou no seu: era tão insegura quanto a ele! Imaginou a cena de todos se vestindo de ciganos e a namorada de destaque. Como ela poderia se destacar para convidar os olhos do amado a olharem para ela? Que fantasia usar para atrair-lhe a atenção?

E quando o mundo voltou a girar normalmente, ela se deu conta de que na verdade não há máscara que vista que a faça ter coragem de encarar de frente a namorada de seu amado. E não há fantasia que a faça se sentir confiante o suficiente a ponto de pensar que ele pode deixar a namorada para estar com ela.

Com medo de perder o que nem tem, angustiada pensando no que seria vê-los juntos antes e depois do desfile (será que durante o desfile ele ficaria ao lado dela? Ou disfarçaria que sabe do seu amor brincando com todos da mesma forma que brincaria com ela?) e entristecida, ela agradece ao amigo e desiste da fantasia.

E do sonho de ver a namorada fora da ala para que ela possa entrar, quando que vai se livrar?

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Pedrinhas de brilhante

Ele buscou o meu colo como se aquilo fosse habitual. Causou-me, contudo, bela surpresa e uma certa lisonja. Sem saber o que ele esperava, sua cabeça enconstada quieta sobre minhas pernas, enquanto as mãos balaçavam ritmadamente em frente ao seu rosto, comecei a acariciar-lhe os cabelos e a cantar. Cantei a canção infantil mais bonita que conheço: "Se essa rua, se essa rua fosse minha...", trocando a parte do "para o meu, para o meu amor..." por seu nome. Foi quando, então, vi um sorriso apacerer timidamente em seus lábios, sossegando suas mãos inquietas. Repeti a canção. Uma, duas, cinco vezes. Ele estava atento. De repente, enquanto cantava, vi seu rosto se virar em direção ao meu e sua mão vir em direção à minha face, oferecendo-me um toque desajeitado, que pretenciosamente chamei de carinho. Não parei de cantar, mas estava dividia entre a alegria de receber aquele olhar e aquele "carinho" e a angútia de pensar que se ele tivesse recebido esse colo que lhe dá lugar de sujeito na primeira infãncia, poderia suportar o mundo sem ter que recorrer ao autismo.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Da chegada

Aprendi no colegial que coisas abstratas são aquelas que não podemos pegar. Existe uma palavra para aquilo que escapa ao tato: subtil. Subtileza, por sua vez, é sinônimo de tenuidade, que também é sinônimo de fragilidade, delicadeza. E brincando assim com as palavras, escolhi o nome desse espaço virtual, que se dedica a falar do que escapa ao tato e delicadamente, torna-nos humanos: palavras, pensamentos e sentimentos. Quão frágil é a condição humana, pois que renunciando a qualquer um deles, corremos o risco de renunciar à nossa própria condição.